Chegou o momento de falarmos sobre Inanna.
Inanna era uma mulher de poder – uma guerreira, uma rainha, uma poetisa, e a sacerdotisa de 7 templos. Inanna ouviu o Chamado. Ela sabia que responder iria interromper o seu ritmo de vida, os seus relacionamentos e a vida iria tornar-se incerta. Tal como ouvir um tambor à distância, é possível ignorá-lo durante algum tempo… mas as batidas permanecem até que se lhes dê atenção.
Quando o coração de Inanna estava pronto, ela aceitou o Chamado. De agora em diante, o retorno não era possível. Com todo o seu corpo e alma, Inanna começou a preparar a sua jornada interior.
Inanna era a sacerdotisa de 7 templos, uma vocação que lhe consumia muito tempo. Para que tivesse tempo para se preparar, a primeira tarefa de Inanna foi abandonar os 7 templos.
A próxima tarefa foi juntar 7 artigos reais, imbuídos de poder, que lhe trouxessem proteção na sua jornada pelo desconhecido. Inanna vestiu-se a rigor, com as suas melhores roupas, arranjou o seu cabelo e colocou a sua coroa. No pescoço, o seu colar mais precioso. Para proteger o coração, colocou uma armadura no seu peito. No seu pulso, uma pulseira de ouro. Nos seus ombros, uma capa real. Por último, pegou no seu cajado e anel.
Inanna chamou a sua conselheira, Ninshubur, para ajudá-la a preparar a sua descida ao submundo. No entanto, Ninshubur receou que se algo corresse mal ela se sentiria responsável por não ter dissuadido Inanna. Ela também tinha medo que esta descida fosse transformar a amizade entre ambas. Então, Ninshubur tentou deter Inanna, mas sem sucesso.
Embora tivessem passado por várias batalhas juntas, Inanna sabia que teria passar por esta sozinha. Ela também sabia que podia confiar em Ninshubur para assegurar o seu regresso em segurança. Ela disse-lhe: “Se eu não regressar dentro de 3 dias, pelo meu próprio esforço, vai até aos 3 anciãos sábios e pedem que me ajudem a terminar o meu regresso.”
Depois de terminar as suas tarefas de preparação, Inanna abandonou os confortos da vida diária. No momento certo, encontrou o primeiro portão do submundo, na terra do parto. Bidu, o Guardião, perguntou: “Quem és tu?”
“Sou Innana”, respondeu ela, “rainha do paraíso e da terra. Sou poetisa, sacerdotisa, e esposa. Aprendi sobre as formas que o corpo tem para parir, sobre yoga, ervas, danças e respiração, e tenho aqui o meu plano de parto. Deixa-me entrar.”
Bidu perguntou, “Porque te guiou o teu coração até aqui, ao lugar onde ninguém regressa sem transformação?”
Innana apresentou os seus motivos e ordenou que a deixasse entrar.
Assim que Inanna entrou, Bidu retirou-lhe a sua coroa. Inanna protestou! Bidu retorquiu, “Os meios usados no submundo são antigos e muito bem testados. Não podem ser questionados ou negociados.”
Inanna continuou a sua descida através de uma passagem labiríntica. Portão atrás de portão, Inanna encontrou Bidu, o Guardião. Em todas as vezes, Bidu perguntou a Inanna, “Quem és tu? Porque te guiou o teu coração até aqui, ao lugar onde ninguém regressa sem transformação?”
Cada vez que Inanna atravessava um portão, Bidu retirava-lhe algo de valor, algo que ela havia trazido para seu conforto ou proteção, ou como um sinal para outros verem como ela era especial.
No segundo portão, Bidu retirou o seu colar e as suas missangas da sorte. No terceiro portão, retirou-lhe a placa de proteção do peito. No quarto portão, retirou-lhe o robe real, deixando o seu corpo frio e exposto. No quinto portão, retirou-lhe a pulseira de ouro. No sexto portão, retirou-lhe os sapatos. No sétimo portão, retirou-lhe das mãos a sua vara de lápis-lazúli e seu anel.
Em cada perda, a rainha protestou, “Não é justo! Devolve-me isso de volta! Eu não concordei com isto!”
Bidu recordou Inanna, “Os meios usados no submundo são antigos e muito bem testados. Não podem ser questionados ou negociados. Continua a caminhar, Inanna. Descobre quem realmente és tu.”
Portão atrás de portão, Inanna desceu cada vez mais fundo até ao submundo. O submundo era um local desconhecido. Ela não conhecia o caminho. Apenas a sua persistência iluminou o caminho através do labirinto escuro e tortuoso, através dos limiares de misericórdia, terror e dúvida.
Nua, humilde, suada e exausta, Inanna rastejou sobre as mãos e joelhos em direção ao último portão. Deu tudo o que podia. Finalmente, chegou ao oitavo portão. Nessa altura, o porteiro já havia se apoderado de tudo, exceto a única coisa que não podia retirar: a determinação de Inanna em fazer o que precisava ser feito. Alcançando profundamente dentro de si mesma, ela encheu-se de força, mais força e mais força… e mais, e mais… até que o porteiro abriu o último portão.
E lá, no lugar mais profundo e sagrado de todos, ela viu aquele que a chamava e ainda chamava (seu bebé recém-nascido). Nesse momento transformador, a pessoa que Inanna era havia morrido. Na próxima respiração, ela renasceu (como uma Mãe).
***
Três dias e três noites passaram. Inanna estava suspensa entre dois mundos. Ela não poderia voltar para casa. Três dias é muito tempo para esperar enquanto alguém que amas está fora de alcance no submundo. Ninshubur foi até os anciãos. Os dois primeiros não ajudariam, culpando Inanna por sua situação. O terceiro ancião ouviu com atenção e elaborou um plano. Dos três, só ele sabia a saída porque já havia ido para o submundo e retornado. Ele criou dois aliados e deu-lhes a Água da Vida e o Alimento da Vida, e os instruiu a levá-los a Inanna.
***
Depois de reunir forças, Inanna começou a ouvir outro Chamado, desta vez do Grande Alto, para retornar à sua vida. Ela começou a sua lenta ascensão.
Em cada portão no seu retorno, Bidu perguntou: “Quem és tu? O que sabes agora que não sabias antes de fazer esta descida?”
Em cada portão, o Guardião tirou de Inanna algo que pertencia ao submundo. No primeiro portão, ele tirou o egoísmo dela e deu-lhe a gratidão. No segundo portão, ele tirou a preocupação e deu-lhe alívio. No terceiro portão, ele tirou o sono e deu-lhe resistência. No quarto portão, ele pegou a dinâmica do antigo relacionamento e deu-lhe renovação. No quinto portão, ele parou a sua mente de girar. No sétimo portão, ele retirou o orgulho e deu-lhe humildade. No oitavo portão, Bidu pegou na sua cesta de coisas e voltou a sua atenção para dentro. No nono portão, ele levantou o peso de toda a história e deu-lhe sabedoria.
A guerreira-sacerdotisa que partiu nesta jornada certamente não foi aquela que retornou, pois a descida e o retorno transformaram a mente, o corpo e o coração de Inanna.
Adaptação da história “A Descida de Inanna ao submundo” por Pam England