Peço uma cesariana e fica o assunto arrumado. Era isto que eu pensava a meio da gravidez do Gui, sempre que sentia medo do parto natural. Como se fosse a solução para todos os males. Até que cheguei à preparação para o parto e, com a Enf. Isabel Cruz, descobri o outro lado do parto natural. Passei a desejá-lo. Escolhemos o Hospital de Cascais pela proximidade física e porque nos foi dito que tinham muito boas condições. Mas aquilo que eu sabia na altura não se compara ao que sei hoje. E confiei. E esse foi o meu erro. Um parto muito intervencionado que me deixou um amargo na boca. No fim, tudo estava bem, com mãe e bebé. Será que estava mesmo? Que marcas tinham deixado este parto?
Partilho convosco o relato do parto do Gui, escrito pouco tempo depois do seu nascimento.
Parece que sempre o vi assim… lindo… estou apaixonada pelo meu menino. 🙂
2ª feira ainda fui à ginástica de preparação, a enfermeira Isabel dizia que eu já estava com cara de parideira. 3ª feira, sessão fotográfica das quase 38 semanas… Estava um pouco estafada, acho que até mais na parte emocional do que física, e só queria fazer as fotos da evolução. Mas a Susana estava entusiasmada e acabámos por fazer outras tantas bem giras, entre as quais uma com uma contagem decrescente à prisioneiro. Mal sabíamos o que nos esperava… Ainda fomos jantar ao Cascais Shopping e ala para casa que se fazia tarde.
3 da manhã – insónia. Já é algo regular… levanto-me, como umas bolachas e um copo de leite fresco, leio um pouco e volto a dormir.
5 e meia da manhã – acordo de repente, sem perceber porquê e, segundos depois, sinto um líquido quente, como se fosse o período. Levantei-me e, quando cheguei ao WC, tinha água quente a escorrer pelas pernas. Chamei o David e só lhe disse “É agora!” Ele insistiu para tomar um duche, mas por mim teria ido logo para o hospital. Comecei a sentir alguns nervos, pedi-lhe que me abraçasse para acalmar um pouco. Comi uma gelatina para não ir sem nada no estômago e fomos para o hospital. Pus um penso, mas a água continuava a sair, tive que por uma toalha de bidé também.
Às 6 da manhã, estava na triagem, com uma enfermeira que era o cúmulo da zenitude. Eu preocupada porque estava a pingar tudo e já tinha as calças bem molhadas, mas ela não parecia muito ralada. Fez-me o toque, sangrei um pouco, encaminhou-me para o CTG, durante o qual me fez algumas perguntas. Depois, estive a falar com uma médica que me explicou que eu estava sem contrações e, portanto, o mais provável seria induzir o parto. Perguntei-lhe se não era possível esperar, disse-me que sim, até cerca de 6 horas após rutura da bolsa.
Eram quase 8 da manhã quando me disseram que iria ser internada, mas só perto das 9 horas é que fui para o bloco de partos. Era dia de greve geral e receei que isso tivesse algum impacto no atendimento. Deram-me uma bata sexy, aberta atrás, dois microlax, um penso e umas chinelas. Disseram para avisar através da campainha quando estivesse pronta. Ainda tomei um duche rápido. Veio um enfermeiro fazer novo toque, disse que podiam esperar até 24 horas até induzir o parto. Pedi para chamarem o David. Passado um pouco, ele chegou e senti-me mais calma. Entretanto, apareceram duas médicas, que queriam induzir naquele momento. Pedi para esperar, disseram que aumentava substancialmente o risco de infeção, que era uma decisão minha, e foram embora. Estive a conversar um pouco com a enfermeira e percebemos que mais valia avançar com a indução, porque já tinham passado 5 horas e nada. Lá tomei o comprimido.
Passei a tarde bem, apesar de continuar com poucas contrações, o colo do útero foi cedendo. Quando estava com 3cm, a médica parva apareceu de novo e disse à enfermeira para me dar a epidural. Eu estava bem e perguntei se seria mesmo necessário. A médica não gostou e ameaçou que depois eu iria querer e o anestesista iria estar ocupado. Mais tarde, apareceu a mesma enfermeira, a enf. Ana, e disse-me que era ela que iria fazer o parto. Que se eu estava bem, tudo bem, mas que se visse que precisava de epidural, para lhe dizer e chamava-se o anestesista. Perguntei se já tinha mudado o turno da médica… ela disse para não me preocupar, porque não a iria ver mais.
Deviam ser umas 19h quando começaram a colocar ocitocina no soro. Sabia que as contrações induzidas desta forma custam muito mais do que as naturais, mas decidi aguentar enquanto fosse possível. Eram 20h quando pedi a epidural, não aguentava com tantas dores, e sabia que só estava a adiar porque queria sentir-me forte e fazer o processo “natural”. Mas ao mesmo tempo pensei que podia aliviar a dor e sentir mais o parto, ser algo mais tranquilo. A anestesista estava numa cesariana e só veio por volta das 21h. O alívio foi quase imediato: passei a sentir apenas umas moínhas leves.
Mas estas moínhas começaram a intensificar-se rapidamente e queixei-me à enfermeira Ana. Ela foi vendo o que se passava e percebi que o nascimento estava para breve. As dores foram piorando até que ela me começou a dizer para aproveitar cada contração para fazer força, que já estava a ver os cabelinhos do bebé. Segurei nas pegas, disseram ao David para me segurar na cabeça enquanto fazia força, e iam insistindo, dizendo que não estava a ser suficiente. Nunca senti tanta dor e tanta frustração por não estar a conseguir fazer tudo sozinha. Só ouvia a enfermeira dizer que a cabeça estava a ficar com uma bossa. E tinha outra enfermeira em cima da minha barriga a empurrar o bebé por fora. Até que chamou a médica, iriam usar os fórceps, porque eu não estava a ser capaz.
Senti que me estavam a cortar. Senti o bebé a sair e foi uma sensação de alívio tremendo. Eram 22 horas e 57 minutos. Vi quando o colocaram em cima do meu corpo, mas não chorou logo e fiquei angustiada. Teve um Apgar de 9 no 1º minuto e 10 nos 5 minutos seguintes. O meu campeão. Chorou e foi música para os meus ouvidos… Colocaram-no em cima de mim e, nesse momento, vi que tinha o queixo tal e qual o pai. 🙂 Vinha embrulhado, mas outra enfermeira, disse que “era pele com pele” e ali ficámos. Senti a médica a coser-me, mas já tinha o meu menino nos braços. Custou-me muito, a médica era antipática (“está a dificultar o meu trabalho!”), mas naquele momento, só pensava “já estás aqui”.
Chamaram o pai, chorou quando nos viu e eu disse para o bebé “já viste, o teu pai é mais chorão que tu!”. Colocaram-no a mamar, estivemos assim praticamente 1 hora. Estava muito cansada, mas ainda perguntei a uma enfermeira o que tinha acontecido. Explicou-nos que o bebé tinha o cordão enrolado em duas zonas do corpo, daí a dificuldade maior em sair. Mas a frustração continuava cá. Não sentia vontade de falar com ninguém e estava com muitos sentimentos contraditórios.
Levaram-me para o recobro e depois para o quarto, o pai teve que ir embora. A enfermeira perguntou-me se queria dormir com ele e disse que sim, depois de ela me ter dito que não era perigoso. Foi o melhor que fiz. Encostou-se no meu peito, junto ao meu coração, e assim dormimos a noite toda. E assim começou o nosso amor.
Na manhã seguinte, ajudaram-me a fazer o levante e também a pegar no bebé e dar de mamar. À hora do almoço já lá estava o David. Ensinaram-nos a trocar a fralda (com direito a cocó e chichi em real time, assim como bolsado). A noite foi complicada, porque ele teve muitas cólicas e eu não sabia bem como acalmá-lo. Veio uma auxiliar pegar nele e mostrar que era só eu ter confiança. Só me apetecia chorar. Que falta me fazia o David… De madrugada, chegou outra senhora, que vinha de cesariana, e ressonou o resto do tempo. Eu sabia que só iria ter alta no sábado, mas fui perguntando a toda a gente se não poderia ser antecipada.
O David chegou à hora do almoço e comecei a chorar… que falta que ele me estava a fazer. Esse dia correu melhor, apesar de mais algumas sessões de cólicas difíceis de acalmar. Pensei que só faltava mais uma noite e estaríamos em casa…
A Cristina acompanha mulheres e famílias desde 2015, quando se tornou doula. Antes de ser mãe, doutorou-se e era docente universitária. Foi a maternidade que lhe deu acesso a uma vida totalmente diferente e a fez mudar radicalmente de profissão. Dedica-se a dimensões da saúde feminina que digam respeito à fertilidade, gravidez, parto, e puerpério, abarcando também temas emocionais relacionados com casal e parentalidade consciente. A sua missão é inspirar o florescimento de mulheres, qualquer que seja a fase de vida em que se encontrem.